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O despertar em dois atos

Crônica de Walter de Lima Filho – Baseada em Gênesis 3:7 e Lucas 24:31 – 14/07/2025

A gente anda pela vida com os olhos semiabertos, não é? Ou talvez, por vezes, totalmente fechados para o que realmente importa. É curioso como a história humana parece ser costurada por momentos de “abertura de olhos”, mas com significados tão distintos.

Lá atrás, no Jardim, a primeira vez foi um baque. Adão e Eva, num instante, viram o que não deveriam ver, e o mundo ganhou uma cor estranha, pesada. Foi o despertar para a falha, para a queda, para o primeiro degrau que levou a humanidade ladeira abaixo. E quem nunca sentiu esse frio na espinha ao perceber um erro, uma decisão que nos puxou para um caminho torto? Essa sensação de ter os olhos abertos para a própria imperfeição, para o deslize, é um fardo pesado que muitos de nós carregamos e, às vezes, sem nem perceber.

Mas a vida, para a nossa sorte e para a manifestação de uma graça que teima em nos alcançar, não se resume a essa primeira queda. Existe um segundo tipo de despertar, e esse, sim, nos convida a uma subida. Penso nos discípulos de Emaús, cegos pela dor e pela desilusão, caminhando sem esperança. E então, num gesto simples – um partir do pão, uma conversa despretensiosa, os olhos deles se abriram. Não para o erro, mas para a realidade da ressurreição, para a “Luz” que brilha, mesmo na mais densa escuridão.

É essa segunda experiência que nos restaura, que nos oferece um fôlego novo – o sopro de Deus. E ela se manifesta nas pequenas coisas. Pode ser num raio de sol que atravessa a cortina numa manhã cinzenta, trazendo um vislumbre de paz. Pode ser numa palavra amiga que surge no momento certo, quando o desespero aperta. Pode ser na doença que nos fragiliza, mas nos faz valorizar cada instante, cada respiração. Ou até mesmo na decepção que nos derruba, mas nos força a reavaliar a rota e a buscar um novo caminho – uma vereda de vida eficaz.

Nesses instantes, quase sem que percebamos, algo se encaixa! Nossos olhos, antes embaçados, se abrem de uma forma diferente. É um clique, um momento de clareza em que a fé se reacende, a coragem se manifesta e a esperança brota! Percebemos que o estrago causado pela desobediência, pelas quedas e injustiças não é o fim da linha. Há sempre a possibilidade de subir o primeiro degrau da rampa, de reverter o fluxo, de iniciar a jornada de volta para casa.

É nesse movimento que a transformação acontece, de “glória em glória”, como um fio de luz que tece o tecido da nossa alma, nos restaurando, nos curando e nos reconectando com Deus, por meio de Cristo, Aquele e nos dá real sentido e propósito. É uma subida à Eternidade, um ato de persistência diária, em busca da plena restauração da nossa relação com o Criador, a fim de que nossa alma volte a viver em harmonia com Ele.

Reflita

1 – Considerando os dois “despertares” (para o erro e para a ressurreição, ou para o bem e para o mal), como a graça de Deus se manifesta em nos oferecer a coragem de escolher o caminho da redenção, mesmo após a queda?

2 – Diante das adversidades do cotidiano — como a tristeza ou a doença —, de que forma a persistência em buscar a Deus nos permite ter os olhos abertos para a esperança que Ele oferece, seguindo a experiência dos discípulos de Emaús?

3 – Se a fé é uma resposta à iniciativa divina, como podemos exercitar nossa vontade para aceitar a “segunda experiência” e permitir que a reflexão sobre a ressurreição nos guie de “glória em glória”?

4 – De que maneira a misericórdia de Deus, revelada em atos simples como “o partir do pão”, nos convida a uma escolha contínua pela transformação, restaurando nosso relacionamento com Ele apesar das desobediências passadas?

Walter de Lima Filho